Henrique Alexander Grazzi Keske
Por que os vetos à Lei dos crimes contra o Estado Democrático de Direito devem ser derrubados.
Como já explicado anteriormente, a Lei de Segurança Nacional representa um conjunto de normas oriundo da Ditadura Civil-Militar que se instaurou no país de 1964 até 1985, com dispositivos para manter a ordem política e social. A partir de dados objetivos, colhidos junto aos órgãos de Justiça, se pode afirmar que nenhum outro Governo, desde a redemocratização fez uso desses dispositivos, de forma tão intensa quanto o atual Governo Federal, voltando-os contra todos aqueles que considera seus inimigos políticos e com a finalidade de silenciar quaisquer críticas a sua forma de agir.
A seu turno, o Supremo Tribunal Federal também fez uso de tais normas, mas em sentido contrário, ou seja, para coibir atos atentatórios contra o Estado Democrático de Direito, uma vez que difundir notícias falsas, propor invasão de órgãos públicos, agredir representantes dos outros Poderes do Estado e demais Instituições, bem como se apresentar portando armas, não podem ser considerados como atos de liberdade de expressão, mas, sim, discurso de ódio e, logo, passíveis de enquadramento penal.
O Congresso Nacional reagiu a essas circunstâncias e votou uma nova Lei, que visa proteger o Estado Democrático de Direito contra esses atos lesivos à democracia e à estabilidade política do país. Assim, dentro do rito estabelecido pela Constituição, essa nova Lei foi submetida ao Presidente da República que, constitucionalmente, tem o direito de vetá-la, total ou parcialmente; e foi o que fez, pois sancionou a nova Lei, mas vetou, de maneira expressa, justamente aqueles artigos que poderiam enquadrar sua própria conduta e a de seus apoiadores, pela prática de atos antidemocráticos, de ofensas aos integrantes de outros Poderes, de incitamento da violência e contra as demais Instituições.
Portanto, extrapolar o pensar em ver um novo “Ato Institucional nº 5” ou o sonho com o retorno da Ditadura Militar, praticando atos violentos para tentar (atenção que não é conseguir, mas apenas tentar) já estaríamos diante de crimes contra a as instituições democráticas. Ou seja, crime que não se confunde com liberdade de expressão.
Ainda de acordo com a Constituição, o Congresso Nacional pode derrubar os vetos, fazendo valer a Lei da maneira como foi votada e aprovada pelo Parlamento. Vamos fazer uma breve análise desses vetos e fazer alguns apontamento sobre a necessidade de que eles sejam derrubados pelo Congresso Nacional e voltem a fazer parte da Lei aprovada:
Fake News
Um dos artigos vetados definia o crime de comunicação enganosa em massa – ou seja, promover ou financiar campanha ou iniciativa para disseminar fatos que se sabe inverídicos e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral. A pena estipulada era de reclusão de um a cinco anos e multa.
A justifica do veto afirma que o texto não deixa claro qual conduta seria objeto da criminalização, se a conduta daquele que gerou a notícia ou daquele que a compartilhou. Além disso, Bolsonaro alega que "a redação genérica tem o efeito de afastar o eleitor do debate político".
Nesse ponto, um dos mais polêmicos, o veto pode ser considerada uma atuação em causa própria. Atos praticados pelo próprio Presidente e por seus apoiadores (vide caso dos “inquéritos das Fakenews”) poderiam ser criminalizados: a disseminação de informações enganosas e que, por consequência, não podem ser enquadrados como liberdade de expressão. O artigo vetado é o seguinte:
Art. 359-O. Promover ou financiar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.”
A redação do artigo poderia ser melhor mesmo. Se são inverídicos, nem fatos são. Mas a justificativa dada para o veto não se sustenta, na medida em que caberia ao judiciário, observando o direito de defesa, analisar a conduta tipificada, não podendo a lei explicitar exaustivamente quais condutas seriam criminalizadas. Seria uma espécie de freio a verdadeira guerra virtual que se estabelece em épocas eleitorais (bem antes, inclusive). Esse artigo apenas trataria da punibilidade do agente e não focaria nos efeitos da desinformação, que podem ser bem danosos (tema para outro texto).
Direito de manifestação
Também foi vetado o capítulo que tratava dos crimes contra a cidadania e incluía no Código Penal o crime de atentado a direito de manifestação. Tipificar como crime o ato de impedir, mediante violência ou grave ameaça, o livre e pacífico exercício de manifestação de partidos políticos, de movimentos sociais, de sindicatos, de órgãos de classe ou de demais grupos políticos, associativos, étnicos, raciais, culturais ou religiosos. As penas variavam de reclusão de um até 12 anos, caso a repressão ao direito de manifestação resultasse em morte.
Para justificar o veto, o presidente alegou "a dificuldade de caracterizar, a priori e no momento da ação operacional, o que viria a ser manifestação pacífica". Segundo ele, a medida geraria grave insegurança jurídica para os agentes públicos das forças de segurança responsáveis pela manutenção da ordem". Além disso, "inviabilizaria uma atuação eficiente na contenção dos excessos em momentos de grave instabilidade, tendo em vista que manifestações inicialmente pacíficas poderiam resultar em ações violentas, que precisariam ser reprimidas pelo Estado".
Aparentemente, o legislador ao incluir esse tipo penal pensou na garantia constitucional da manifestação, protegendo-a de outros grupos que porventura se oponham aos motivos das manifestações. Por exemplo, se uma manifestação criticando o governo for repelida com violência por um grupo de pessoas favoráveis ao governo, estaria aqui a tipificação do crime, também.
Crimes cometido por militar
O presidente vetou ainda dispositivo que previa aumento de penas para os crimes contra o Estado de Direito pela metade, cumulada com a perda do posto e da patente ou da graduação, se o crime fosse cometido por militar.
Para Bolsonaro, a medida "viola o princípio da proporcionalidade, colocando o militar em situação mais gravosa que a de outros agentes estatais, além de representar uma tentativa de impedir as manifestações de pensamento emanadas de grupos mais conservadores".
Conforme a Constituição Federal, militares das Forças Armadas e integrantes das Polícias Civis e Militares, por serem órgãos de Estado, estão impedidos de participação político-ideológica e manifestações públicas de apoio a Governos, de quaisquer orientações, pois servem à Nação e a ninguém mais. Portanto, afirmar “meu Exército”, além de erro grosseiro, pode ser enquadrado como crime, bem como convocar e participar de eventos que peçam o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal.
Crimes cometidos por funcionário público
Também foram vetados os trechos da lei que previam aumento de pena em 1/3, se o crime fosse cometido com violência ou grave ameaça exercidas com emprego de arma de fogo; ou se fosse cometido por funcionário público. Nesse caso, também haveria perda do cargo ou da função pública.
"A proposição contraria o interesse público, pois não se pode admitir o agravamento pela simples condição de agente público em sentido amplo, sob pena de responsabilização penal objetiva, o que é vedado", diz a justificativa do veto.
Tanto nesse caso, quanto dos militares é preciso ter em mente que se essas pessoas fazem parte da estrutura do Estado, mais responsabilidade as têm em resguardar os princípios democráticos. Não parece razoável?
Ação penal privada subsidiária
Foi vetado ainda o artigo que admitia ação privada subsidiária de iniciativa de partido político com representação no Congresso Nacional para os crimes contra o funcionamento das instituições democráticas no processo eleitoral, se o Ministério Público não atuasse no prazo estabelecido em lei, oferecendo a denúncia ou ordenando o arquivamento do inquérito.
Na justificativa do veto, o presidente alega que "não é atribuição de partido político intervir na persecução penal ou na atuação criminal do Estado" e que a medida "levaria o debate da esfera política para a esfera jurídico-penal, que tende a pulverizar iniciativas para persecução penal em detrimento do adequado crivo do Ministério Público".
Nesse ponto, a derrubada do veto é bastante importante, pois permite que essa discussão possa ser proposta por mais entes interessados, especialmente, nos casos em que a Procuradoria Geral resta silente. Ora, a prerrogativa é do MP, mas e se ele, deliberadamente, não se movimenta? Há diversos exemplos de como isso pode ser ruim para o interesse público.
No vídeo abaixo, o parceiro do juridiQuê?, Edson Borowski faz alguns comentários sobre essa Lei, seus vetos. Além disso, aborda a polêmica MP (Medida Provisória) 1.068/2021 (que já foi corretamente devolvida pelo Senado e teve sua vigência suspensa pelo STF) que altera o Marco Regulatório da Internet no Brasil, dificultando a retirada de postagens mentirosas (fakenews) pelas próprias redes sociais.
Henrique Alexander Grazzi Keske
Doutor em Filosofia, avaliador do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito - CONPEDI e pesquisador da linha da Linguagem, Racionalidade e Discurso da Ciência.
Fonte da comunicação dos vetos: Agência Câmara de Notícias
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14197.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/Msg/VEP/VEP-427.htm#acao%20penal