Paulo Pedroso
Medidas para salvar vidas não proíbem o exercício da fé.
Nossa Constituição Federal (1988) não define hierarquia entre direitos fundamentais.
No dia 8 de abril de 2021, iniciou-se a discussão que se encerrou no dia seguinte, no Supremo Tribunal Federal, sobre a possibilidade de imposição ou não de limites a governadores e prefeitos em matéria de restrições à abertura ou não de templos, igrejas ou assemelhados para a celebração de cultos, missas ou outras manifestações religiosas que reúnam grande número de pessoas, as conhecidas aglomerações.
Inicialmente, proponho respondermos a seguinte pergunta sobre a violação do dever de laicidade do Estado: A restrição excepcional, temporária e justificada para frequentar eventos religiosos públicos, conforme a realidade de cada estado e município, promove, mesmo que dissimuladamente, alguma religião em detrimento de outra, ou impede cidadãos de exercerem a fé conforme a sua livre consciência, ou impede apenas um dos múltiplos modos de exercício da fé?
Sobre a desproporcionalidade alegada contra as religiões podemos perguntar: A mesma restrição foi imposta a atividades esportivas como a abertura ao grande público de campeonatos de futebol, vôlei e corridas, por exemplo? O direito ao esporte é constitucional.
Atividades artísticas como shows musicais e teatro também estão proibidos? A cultura é direito constitucional.
Aulas estão ocorrendo on-line ou presencialmente? A educação é igualmente um direito constitucional.
O que dizer das confraternizações entre família, encontros entre amigos, peladas de futebol, bares, churrascos, festas de aniversário e por aí vai? Lazer também é um direito constitucional.
O alegado cerceamento ao exercício da fé ocorre apenas no Brasil ou em outros países?
O direito ao esporte, à cultura e à educação e ao lazer são direitos igualmente previstos na CF/88, e mesmo assim não me recordo de termos alegações de perseguição ou cerceamento ao direito fundamental a esses direitos sendo discutidos pela sociedade com tanto fervor.
Bom lembrar que durante a primeira onda na pandemia, países europeus como Dinamarca, Alemanha, Romênia, Reino Unido, Itália, França, Turquia, dentre outros, impuseram restrições à missas e cultos. Em 2020 o Papa celebrou a Páscoa na Praça de São Pedro, em frente à Basílica, no Vaticano, completamente vazia.
É necessário que tenhamos, enquanto sociedade, a consciência de que a responsabilidade da superação desse momento recai sobre todos (as), tendo em vista que o regramento constitucional não tem apenas o objetivo de proteger os direitos individuais, que são centrais, mas também o exercício de mínima racionalidade coletiva.
A liberação dos cultos coletivos presenciais proporcionaria a chamada “discriminação positiva” (privilégio) à parcela religiosa da sociedade. Ficariam descobertas desse “privilégio” outros direitos constitucionais como esporte, cultura, educação e lazer que estão com suas atividades presenciais suspensas em respeito e preservação do direito à saúde coletiva.
O ônus de medidas de grau estritamente necessárias, excepcionais, temporárias e justificadas em nome de um objetivo maior, que é a saúde pública, deve ser suportado por toda a sociedade.
A meu ver, a deliberação do STF encerrada no dia 9 de abril foi acertada pois não se está atacando o núcleo do exercício da fé, visto as medidas terem caráter excepcional, temporário e justificado. Além disso, o “lockdown” é o único meio comprovado cientificamente para conter a curva de contágio e as mortes resultantes da falta de iniciativa do Governo Federal em adquirir vacinas para a imunização da população.
Minha posição é baseada na argumentação do Advogado Geral da União, André Luiz de Almeida Mendonça, do Procurador Geral do estado de São Paulo, Rodrigo Menicucci, dos 7 amicus curiae e no voto dos 11 Ministros do Supremo Tribunal Federal em sessão encerra no dia 9 de abril de 2021 com o placar de 9 X 2 pelo não provimento da ação cautelar.
Veja a notícia no site do STF: MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL - ADPF 811: http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=463849&ori=1