Diogo Corrêa
Garantir a liberdade de expressão e defender as instituições.
Já falamos aqui no JuridiQuê sobre o direito à liberdade de manifestação como princípio essencial ao Estado Democrático de Direito. Por outro lado, os elementos contidos nessas manifestações, volta e meia, se transformam em crime. A própria Democracia não pode ser tão aberta que permita ser ela mesma atacada.
Hoje as falas de autoridades políticas são vigiadas de perto pela opinião pública. Não importa se for lá naquela cidadezinha do interior: de alguma forma, haverá algum tipo de divulgação. Com regularidade, também, a tal da “imunidade parlamentar” é sempre defendida por aqueles que se acham injustiçados pela “interpretação” de suas falas. Mas isso não é argumento suficiente para blindar agentes públicos de processos judiciais pela exposição de suas opiniões.
Foi nesse sentido que o ministro do STF, Alexandre de Moraes, determinou (no Recurso Criminal - RC 1476) a continuidade da instrução processual e julgamento da ação penal oferecida contra Guido Mário Prass Filho, ex-vereador do Município de Taquara (RS), pela suposta prática de crime previsto na Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/83).
A decisão do ministro reformou a sentença proferida pelo juízo da 5ª Vara Federal de Novo Hamburgo, onde não se identificou prática do crime previsto no art. 22, inciso I, § 1º, da Lei 7.170/83. A alegação foi de que as palavras do ex-vereador “guardam relação com o exercício do mandato legislativo, porquanto expressadas logo após o vereador homenagear os caminhoneiros da região e externar uma crítica à cobrança de altos impostos no país e a questões políticas, as quais afetam indiretamente a população do município que representa”.
Antes mesmo da sentença, a própria autoridade policial (PF) não havia indiciado o investigado “por não haver elementos suficientes a configurar crime”. Mesmo assim, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou a denúncia.
É preciso reforçar que não se trata de pré-julgamento do caso. O STF apenas determinou que o processo tramite, obedecendo todas suas fases e garantias de defesa que só um Estado Democrático pode oferecer a todos os cidadãos.
Embora seja preocupante que a mais alta Corte de Justiça brasileira tenha que ser acionada em casos como esse, é importante que essas questões realmente sejam enfrentadas, cabendo a todos e todas defender a institucionalidade democrática, ainda que discordemos de alguns de seus frutos.
O mais curioso nesse caso é que a Lei de Segurança Nacional, a qual pode ser usada para condenar o investigado, é, ironicamente, herança legislativa do regime militar que, segundo o MPF, ao se fazer referência a tal circunstância configura “ato atentatório à democracia”.
Além dessa estranha ironia, a referida lei foi revogada pela Câmara dos Deputados em 04/05/2021 (substitutivo do Projeto de Lei 2.462, de 1991, que tipifica crimes contra o Estado Democrático de Direito). Porém, esse projeto aguarda apreciação pelo Senado Federal e ainda não produz efeitos (e certamente voltaremos a esse tema por aqui).
Sejamos vigilantes para garantir a liberdade de expressão e a defesa das instituições.
Diogo da Silva Corrêa
Bacharel em Direito pela Universidade Feevale e Mestre em Desenvolvimento Regional pela FACCAT.
A decisão na íntegra do ministro Alexandre de Moraes pode ser acessada no link:
https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15346537231&ext=.pdf
A matéria do site da Rádio Taquara faz uma completa cobertura sobre o caso:
Confira a fala polêmica do ex-vereador:
Fonte: perfil da Jornalista Cynara Menezes: https://twitter.com/cynaramenezes/status/1002622458011242496