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Combate à violência política contra a mulher: Nova lei publicada.

Previnir, reprimir e combater a violência política contra a mulher são os objetivos da lei nº 14.192 em vigor desde 4 de agosto de 2021.


Os direitos políticos são direitos fundamentais e promover seu exercício é dever do Estado e de todos os demais atores participantes do sistema político brasileiro. Infelizmente, são recorrentes os casos de violência política contra mulheres no Brasil.


Neste mês, marcado pelos 15 da lei Maria da Penha, foi sancionada a lei 14.192/21 que estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher.


Os dispositivos da lei alteram aspectos do Código Eleitoral, da Lei dos Partidos Políticos e da Lei das Eleições, para dispor sobre os crimes de divulgação de fato ou vídeo com conteúdo inverídico no período de campanha eleitoral, para criminalizar a violência política contra a mulher e para assegurar a participação de mulheres em debates eleitorais proporcionalmente ao número de candidatas às eleições proporcionais.


Mas o que é violência política?

De acordo com a nova lei, violência política contra mulher é toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos delas, não apenas durante as eleições, mas no exercício de qualquer função política ou pública.


A lei altera o Código Eleitoral para proibir a propaganda partidária que deprecie a condição de mulher ou estimule sua discriminação em razão do sexo feminino, ou em relação à sua cor, raça ou etnia. A prática será punida com pena de reclusão, de 1 a 4 anos, e multa. A pena será aumentada em 1/3 se o crime for cometido contra mulher gestante; maior de 60 anos; e com deficiência.


Altera também a lei dos partidos políticos, para determinar que os estatutos dos partidos contenham regras de prevenção, repressão e combate à violência política contra a mulher. Os partidos terão 120 dias para adequar seus estatutos.


Emergência do tema.

A existência do Instituto Marielle Franco, por exemplo, demonstra a emergência do tema. A violência política brutal contra a ex-vereadora Marielle e de seu motorista Anderson deu causa a criação do Intituto Marielle Franco. O coletivo é mantido pela família da ex-vereadora carioca, tendo como pilares a lutar por justiça, defesa da memória e a multiplicação do seu legado. Em 2020 o Instituto publicou pesquisa em parceria com as ONGs Justiça Global e Terra de Direitos, evidenciam o grau de urgência e a gravidade da violência eleitoral dirigida a mulheres negras.


A pesquisa contou com 142 participantes as quais foram candidatas nas eleições municipais. Foram diversos dados levantados (o que daria para explora em outro texto aqui, inclusive). Por ora, chama atenção aos percentuais das diferentes violências relatadas pelas participantes, destacando-se a violência virtual:




Oito tipos de violência política de gênero e raça distintos. Fonte: Pesquisa do Instituto Marielle Franco-RJ


Violência virtual: Fonte: Pesquisa do Instituto Marielle Franco-RJ

Avanço, mas nem tanto...

Segundo o Observatório de violência política contra a mulher, com a edição da referida lei o Brasil deixa de fazer parte do grupo de países da América Latina que ainda não possui regras de combate à violência política contra a mulher. A avaliação do coletivo é que, considerando tratar-se de um país que ainda conta com uma forte sub-representação de mulheres em sua política institucional, a aprovação do PL por si só já é motivo de celebração.


Entretanto, a abrangência da lei poderia ser maior, considerando o “gênero” e não “sexo”: “A não utilização de “gênero” abre margem para uma interpretação excludente de algumas mulheres, como as trans, que tendem a sofrer ainda mais com essa violência. Casos emblemáticos de violência política, como o da Vereadora Benny Brioli, primeira parlamentar trans de Niterói (RJ), devem ser incluídos no espectro de proteção, sob pena de eventual Lei, advinda da sanção ao PL em comento, ser um instrumento de promoção da discriminação ao invés de combatê-la”


Outro problema é que a tipificação não é tão abrangente como poderia. Segundo a Organização dos Estados Americanos (OEA), a violência política é caracterizada como uma ação, conduta ou omissão realizada de forma direta ou por meio de terceiros, podendo se materializar por meio de agressões físicas, psicológicas, morais, sexuais, virtuais, institucionais, raciais, de gênero, LGBTQI+fóbicas, entre outras, e podendo ser cometidas contra candidatas, eleitas, nomeadas ou na atividade da função pública. Ou seja, bem mais abrangente.


Para a advogada, ex-assessora jurídica municipal e militante política Taís Prass Cardoso, a legislação vem para cumprir uma função socio-jurídica fundamental, especialmente no que tange à visibilização de um problema histórico, e para realizar uma punição com efeito repressivo da prática de violência política contra a mulher: “a criminalização objetiva também, através da execução da pena prevista, evitar que novas condutas aconteçam, refreando este tipo de violência”.


Além disso, a advogada reforça sobre a necessidade de se ampliar a percepção do assunto: “a atuação da mulher no campo político vai para além do exercício de um cargo eletivo. Temos mulheres participando ativamente dentro dos partidos políticos; atuando em funções técnicas no executivo e legislativo na operação de políticas públicas, caminhando lado a lado com as ações e decisões políticas; mulheres que estudam, militam e se posicionam ativamente em relação à política nacional, estadual e municipal. O que eu quero dizer é que estas mulheres também sofrem estas violências, e é preciso que a gente amplie a discussão para esses outros lugares de exercício dos direitos políticos das mulheres, até como forma de proporcionar um caminho mais seguro e de incentivo para elas ocuparem cargos eletivos”.


O que dizem mulheres que estão inseridas na política?


Segundo a Deputada Federal Maria do Rosário (PT), que tem um histórico de enfrentamento de violências por ela sofridas, a violência política contra as mulheres “tem o objetivo de impedir o acesso de mais mulheres nas instâncias de poder e decisão, tentando evitar que novos olhares, novas agendas e novas formas de fazer política estejam presentes”.


Para Juliana Brizola (PDT), deputada do estado do RS, a inciativa é imprescindível ao combate à violência contra a mulher. Ela afirma que busca por igualdade é uma construção constante e a Lei 14.192/21 é “mais um marco nessa grande luta que as mulheres enfrentam diariamente”. Juliana reforça a necessidade de ampliação desses esforços, mas faz um alerta: “Não adianta leis serem criadas e não serem cumpridas. É necessário que todos estejam engajados no combate e prevenção à violência contra mulher”.


A vereadora suplente de Igrejinha/RS, Carine Martini (MDB), reconhece os avanços legislativos nessa temática. Mas também vê dificuldades na aplicação efetiva: “como mudar esse quadro? Além da longa e necessária mudança cultural, é preciso investir em políticas públicas de prevenção e educação na valorização da mulher”. Carini aponta a paulatina diminuição nos investimentos nessas políticas e a falta de incentivo à participação feminina como entraves ao combate das diversas violências das quais a mulher é vítima: “um país que não educa e não previne e jamais conseguirá garantir o básico: a inviolabilidade do direito à vida”.


Mônica Facio (PT), uma das referências feministas da região, reforça que a não participação mais igualitária das mulheres se dá pela violência política: “somos mais de 50% da população votante, mas ocupamos somente 19% dos cargos eletivos. Muitas de nós não colocam seu à disposição para uma disputa eleitoral por receio de ser assediada, constrangida, humilhada, perseguida ou ameaçada”. Segundo a ex-vereadora de Taquara/RS, muitas mulheres eleitas desistem de concorrer novamente em função destas mesmas violações. “Garantir por meio de lei que as mulheres possam representar suas comunidades com respeito é o começo da construção paritária”.


A construção do debate deve ser ampliada.


Não restam dúvidas sobre a importância da representatividade das mulheres na política, bem como, da existência de uma estrutura machista que sustenta a desigualdade neste campo. A lei 14.192/21, portanto, vem para reconhecer estes problemas e enfrentar a violência política contra a mulher. Que possamos fazer valer a lei, quebrar paradigmas e sentir os reflexos dela daqui para a frente.


Nesse mês de agosto, o próprio TSE realizou campanha nas suas redes sociais destacando o tema:


O site “Politize” produziu o vídeo “Por que as mulheres são minoria na política”, indagando: se são a maior parte da população brasileira? Há quem diga que o que falta é interesse das mulheres, mas será que é só isso mesmo?


Texto elaborado por:

Taís Prass Cardoso

Advogada. Mestra e Doutoranda em Diversidade Cultural e Inclusão Social pela Feevale. Pesquisadora sobre Gênero e Violência e Presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB/RS - Subseção Taquara.

e

Diogo da Silva Corrêa

Bacharel em Direito pela Universidade Feevale e Mestre em Desenvolvimento Regional pela FACCAT.

Referências:


Texto completo da lei:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/Lei/L14192.htm


Notícia no site do Senado Federal:

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/08/05/sancionada-lei-para-combater-violencia-politica-contra-a-mulher


Nota emitida pelo Observatório de violência política contra a mulher:

https://transparenciaeleitoral.com.br/wp-content/uploads/2021/07/Nota-tecnica-Nova-Lei-VPM-2021.pdf

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