Alessandra Andrade
31 anos do ECA – Após tantos avanços, onde estamos falhando com nossas crianças e adolescentes?
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi criado em 13 de julho de 1990. Ontem, essa lei completou 31 anos de proteção à infância. Mas antes de 1990, quando o ECA entrou em vigor, já havia leis relacionadas à proteção da infância. O problema era que, apesar das iniciativas, as crianças mais vulneráveis ficavam expostas.
É necessário trazer os fatos que marcaram o início das preocupações com o bem-estar das crianças, até então, sequer considerados sujeitos de direito. Começa com as crianças das “Rodas dos Enjeitados”, local em instituições de caridade onde bebês eram deixados por motivos diversos, como orfandade, pobreza extrema, adultério, incesto; a mudança da idade penal de 9 para 18 anos; a ampliação da educação para filhos de famílias pobres ou de escravos; combater o trabalho infantil para filhos de escravos e a utilização de crianças como aprendizes de guerra. Aqui é importante citar que pela primeira vez em duas décadas ocorre um grande aumento no trabalho infantil, atingindo 160 milhões de crianças e adolescentes no mundo, um aumento de 8,4 milhões de meninas e meninos nos últimos quatro anos, de 2016 a 2020.
Assim como acontece com as mulheres, basta uma crise para que os direitos das “minorias” sejam questionados. Conforme as mudanças na conjuntura a importância das crianças oscila de mão de obra barata ao futuro da Nação. Em 1942, período considerado especialmente autoritário do Estado Novo, foi criado o Serviço de Assistência ao Menor – SAM. Tratava-se de um órgão do Ministério da Justiça e que funcionava como um equivalente ao sistema Penitenciário para a população menor de idade. Sua orientação era correcional-repressiva. O sistema previa atendimento diferente para o adolescente autor de ato infracional e para o menor carente e abandonado. Mesmo depois do caso Bernardino, engraxate de 12 anos, que foi preso ao jogar tinta em uma pessoa que saiu sem pagar pelo serviço. Colocado em uma prisão junto a 20 adultos, o menino negro foi violentado de várias formas e jogado na rua.
E chegamos ao extremo da crueldade com a prisão, a tortura e a mortes de crianças presas durante a ditadura. A partir de meados da década de 70, começou a surgir, por parte de alguns pesquisadores acadêmicos, interesse em estudar a população em situação de risco, especificamente a situação da criança de rua e o chamado delinquente juvenil. Foi um passo importante, pois forçou a discussão de políticas públicas e de direitos humanos. Finalmente, a década de 80 permitiu que a abertura democrática se tornasse uma realidade. Isso se materializou com a promulgação, em 1988, da Constituição Federal, considerada a Constituição Cidadã. Para os movimentos sociais pela infância brasileira, a década de 80 representou também importantes e decisivas conquistas também pelo Movimento Nacional de Meninas e Meninos de Rua.

Movimento de meninos e meninas de rua.
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é o marco legal que reuniu reivindicações de movimentos sociais que trabalhavam em defesa da ideia de que crianças e adolescentes são também sujeitos de direitos e merecem acesso à cidadania e proteção. O ECA foi publicado sobre a lei federal nº 8069. Aprovado, inicialmente com 267 artigos, o ECA vem passando por alterações conforme novos problemas relacionados à infância são identificados. Em destaque:
Anteriormente, o abuso sexual não era nem sequer mencionado no Código. A situação irregular em que as crianças e adolescentes se encontravam, pela antiga lei, era definida por maus tratos, castigos imoderados ou situações que ofendessem à moral. Hoje, além de citar a violência sexual, o Estatuto define as penalidades para quem praticar esse crime contra crianças e adolescentes.
A exploração sexual de crianças e adolescentes também não era abordada explicitamente no Código. A única menção que havia era de “exploração em atividade contrária aos bons costumes”, sem especificar, de fato, o que isso significaria. Atualmente, com o ECA, o assunto é tratado e, por isso, mobiliza agentes do governo para enfrentar essas situações.

Mesmo assim, nos deparamos com a trágica situação de estarmos em 2° lugar, no mundo, em exploração sexual de crianças e adolescente, ficando atrás somente da Tailândia.
Com o ECA, surgem também os conselhos tutelares, órgãos competentes para lidar com crianças e adolescentes, tanto na prevenção de violação de direitos quanto no enfrentamento.
O Estatuto mostra seu caráter atualizado ao ampliar a rede de proteção também para o mundo virtual. Constranger ou instigar crianças e adolescentes para a prática de atos libidinosos em qualquer meio de comunicação é considerado crime e agentes do governo, inclusive, já trabalham para ampliar a rede de proteção na internet.
Apesar do que consta no Artigo 227 da Constituição Federal, “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão“, o casa continua sendo o local mais violentos para as crianças viverem, sendo familiares os maiores perpetradores de violência, abuso sexual e exploração sexual de menores.
Há ainda o fator cultural que não vê as crianças como sujeitos autônomos e detentores de direitos. Sendo que, na maioria das vezes, não têm voz perante os órgãos de proteção ou poder judiciário. Tendo suas “dores” minimizadas por costumes historicamente patriarcais, ou totalmente ignoradas pelo judiciário em situações de violência. Um judiciário machista e preconceituoso, que ao contrário da lei, ainda nega considerar crianças sujeitos de direito e de vontade própria, utilizando-se, inclusive de leis como a Lei de Alienação Parental, que viola vários artigos do ECA, da nossa Constituição e da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, assinado no mesmo ano de criação do ECA, que desqualifica a fala da criança, fortalece o pátrio poder e qualifica a criança como ser sem autonomia.
Afora isso, vemos anualmente várias campanhas para denúncia e proteção da infância, mas que apesar de boas leis, não se tornam efetivas por falta de investimento em capacitação e políticas públicas. Precisamos todos e todas estarmos atentos, a violência contra as crianças e adolescentes pode ser muito sutil, assim como os sinais que elas apresentam. Segundo Piaget, uma criança antes dos 11 anos é incapaz de inventar um fato do qual não tenha tido a experiência. Pode mentir sim, sobre a responsabilidade de uma arte, por exemplo, mas não sobre algo que não vivenciou.
Então ACREDITE NAS CRIANÇAS, na dúvida PROTEJA E DENUNCIE!
Alessandra Andrade
Servidora Pública. Graduada em Gestão pública pela UNINTER e Especialista em Direitos Humanos pela FMP.
REFERÊNCIAS:
1 https://www.childhood.org.br/saiba-como-o-eca-mudou-o-cenario-da-infancia-no-pais
2 https://www.nsctotal.com.br/noticias/eca-30-anos-10-fatos